Life wrecker

Contos

“É o fim do mundo” Eu disse para a mulher que estava sentada ao meu lado no metrô.

Ela lia as notícias pelo celular de forma desinteressada e maçante, algo normal para quem havia acabado de sair do trabalho e rastejava de volta para casa. Passava os olhos pelos títulos de notícias sobre guerra, violência, fome e morte e não parecia estar surpresa.

Assentiu para mim, sinalizando que havia me escutado, sem falar nada ou olhar em minha direção. Com certeza achava que eu era um daqueles que gostava de importunar mulheres indefesas em transportes públicos.

Sendo bem sincero, estou acostumado a não ser notado de verdade até chegar um momento inevitável.

Se me perguntarem quantos anos tenho, não saberei responder exatamente. Devem ser muitos, mas seria inútil tentar contar. Não faço aniversário e nem sei quando nasci, apenas estou aqui desde sempre. Desde que consigo me lembrar, imutável. Desde antes do primeiro humano existir, mas por comodidade me permiti pegar emprestado sua forma.

É provável que ainda estarei aqui quando o último homem perecer e até depois disso. Porque é deste modo que as coisas funcionam: por ciclos.

O ciclo da humanidade está ao rumo do fim e cada vez mais próximo da pior fase que um ciclo pode ter. O que me deixa mais cheio de trabalho a cada dia que passa…

Do mesmo modo que sei tudo sobre o passado, sei tudo sobre o presente e sei tudo sobre o futuro. Sei exatamente o dia em que o mundo se criou e sei exatamente o dia em que chegará ao fim.

Por exemplo, sei que ao sair da estação do metrô, a mulher ao meu lado será assaltada por um rapaz que, por estar passando por uma terrível abstinência, lhe dará cinco facadas antes mesmo que ela consiga lhe entregar a bolsa.

É aí que eu entro em cena!

Eu tenho que me certificar que este rapaz esteja desesperado, por não ter dinheiro para comprar mais pedra, para que a mulher encontre seu fatídico destino de se tornar mais uma notícia sobre violência no telejornal da manhã.

Afinal, quem você acha que deu as drogas à Janis Joplin até ela ter uma overdose? Quem fez o assassino de Kennedy puxar o gatilho? Quem sussurrou para Kurt Cobain os pensamentos suicidas? E quem você acha que cuidou de plantar a ideia da formação da Al-Qaeda?

É sujo, porém necessário. Mas acredite, não fui eu quem planejou a coisa toda, estou apenas seguindo ordens.

Todos os dias observo a humanidade se punir pelas próprias mãos. O fim do ciclo virá através de uma guerra silenciosa e que não será noticiada até chegar ao seu ápice, e trará consigo uma doença nunca vista antes. Os poucos humanos que sobreviverão, vão encontrar seu fim pela fome ou pelo ódio natural que existe desde os primórdios.

Mais ciclos virão depois desse, claro, e todos chegarão ao fim também. Eu estarei lá para acompanhar até o último deles.

Todos vão me conhecer uma hora ou outra. Inclusive você. Não é nada pessoal, é apenas o meu trabalho.

11 thoughts on “Life wrecker

  1. Genial! Enquanto lia o texto eu, na minha cabeça, fui arriscando várias hipóteses sobre quem seria este “ser” que narra a crônica. A morte? O destino? Mas no fim eu conclui que “ele” deve ser só a vida fazendo seu papel mesmo. Não sei, mas eu adorei ler isso, consegui imaginar tudo isso relatado numa daquelas HQ’s incríveis do Neil Gaiman.

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      1. Mas não esqueça de assinar, já tive escritos meus adulterados em outros espaços a tempos atrás, não que tenham valor, mas nos incomodam demais.

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  2. Adorei a sua crônica. Os gregos já diziam que se os cavalos tivessem deuses os fariam com cabeça de cavalo. Acho que a sua crônica é bem isso. Pintamos o mundo e deus do jeito que nos convém. Abraços

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